A palavra do dia é-me muito cara (literalmente) e leva-me a um post de Agosto do ano passado e que não resisto em republicar:
Nunca achei piada ao ritual da Fada dos Dentes. Da notinha debaixo da almofada ou de atirar o dente para o telhado e gritar: “Dentinho, dentão, toma lá um podre, dá cá um são” (as pessoas da minha geração sabem do que estou a falar).
Fiz mal.
Razão tinha a minha mãe em venerar a dita Fada, ao ponto de pegar no primeiro dente de leite que me caiu e ir entregar ao ourives cá da terra. Dias depois, ofereceu-me, toda orgulhosa, uma medalha. Ou melhor, o meu dente atarrachado num aro de ouro e que eu usei ao pescoço durante alguns anos (as pessoas da minha geração sabem do que estou a falar).
Sim, era nojento (mas era moda) e acho que condicionou a minha má relação com a Fada.
Com os meus filhos, apenas me limitei a guardar os dentinhos que caíam, sem homenagens ou manifestações de devoção (hoje em dia, já nem sei quais são de quem).
Mas a minha filha, aos 11 anos, tropeçou nos cordões das botas, caiu e partiu um dente da frente. Mais tarde, verificou-se que para além de um dente torto, a menina tinha má mastigação e foi um passo até começar a usar aparelho extra-oral, depois o aparelho de brackets, a rotina das consultas mensais, a contenção ortodôntica.
O meu filho mais novo mudou a dentição de forma estranha e o RX veio revelar que tem “agenesia dentária” , razão pela qual não tem 2 dentes definitivos à frente. Há dois anos que usa aparelho extra-oral e preparamo-nos para passar às brackets, muito em breve. Há-de-lhe ser criado um espaço para, mais tarde, colocar um implante (que vai fingir que é o dente que nunca lhe irá nascer).
Na semana passada, tivemos consulta no dentista. Dizem-me agora que a minha filha não tem espaço para os dentes do siso, que vão estragar o trabalho de ortodontia, que vão provocar cáries, que é melhor extrair…
Sim, continuo a acreditar que a Fada dos Dentes não existe. Ela é uma bruxa mercenária a soldo, que passa recibos verdes ao nosso dentista e que continuará a furar-me a conta bancária para o resto da vida.
Passei a maior parte da vida a desejar a reforma para esquecer o relógio e os horários e agora isto!
Raios parta o meu feitio de não querer ficar parada!
Quem me manda a mim dizer à Belinha para passar por cá e irmos juntas para a piscina?
Manuela levanta-se contrariada.
A cama é solitária, há anos que perdeu o marido e vive sozinha.
Do que mais falta sentiu foi dos pés aquecidos no Inverno. Mas o edredão que a filha lhe oferecera há dois Natais atrás faz mais ou menos o mesmo. Pelo menos, não resmunga pelo atraso do jantar, por querer ir para a tasca passar o serão com os amigos.
As cruzes, caramba. Ai que dor, quando se levanta!
Mas já esteve bem pior. A hidroginástica anda a fazer-lhe bem.
Está a terminar a torrada - que a placa gosta de mastigar devagarinho - quando a comadre Belinha se assoma ao postigo da porta.
- Ainda não tás despachada, moça? Lá vamos perder o melhor lugar no balneário, outra vez!
Mas Manuela nem lhe responde. Está a tentar planear o que tem para fazer.
Hoje é dia do neto cá vir almoçar. Tem que ir comprar uns bifinhos, que é o que o menimo mais gosta.
E às duas e meia, tem aula de português na Universidade Sénior. E depois há reunião para fazer as rifas do cabaz de Natal.
É difícil lembrar-se de tudo o que tem a fazer.
Já calhou esquecer-se do ensaio da peça de teatro.
A cabeça já não dá para tanto.
Raio de feitio de não querer ficar parada!
A comadre Belinha corta-lhe o raciocínio:
- Olha lá, já sabes quem morreu?
Não, não sabe. Mas conhece a comadre desde criança e consegue adivinhar, pelo tom, que foi mais uma das suas amigas.
O cair da folha não perdoa, isso já ela comprovou.
Antigamente, custava-lhe ir aos funerais e despedir-se das pessoas queridas.
Sempre foi jovial e o grupo de amigos era grande.
Agora nem tanto. Restam cada vez menos.
Porém, por força do hábito ou porque já se habituou a conviver com a morte, passou a gostar de funerais. Vai a todos.
É um convívio como qualquer outro. Com a diferença de que um dos amigos já não colabora na conversa. Apenas escuta, deitado, no centro da igreja.
É ali que sabe das novidades, revê a mocidade que já não costuma sair de casa e mata saudades dos filhos dos amigos que ajudou a criar e só vê, agora, nestas ocasiões.
Lá terá de ir a mais um funeral. Ainda bem que tem a roupa passada.
Mas agora, o que importa é não se esquecer da toalha e dos chinelos de banho.
E comprar os bifinhos para o menino.
Saem de casa.
C'um raio, já faz frio.
Está um lindo dia de sol frio, pensa.
E lá vão as duas, cada qual a queixar-se da humidade e das suas dores nos ossos.
A morte, essa pode esperar...
As actividades físicas, de estimulação cognitiva e sensorial, o convívio e o envolvimento familiar são indispensáveis para proporcionar a qualidade de vida dos idosos e retardar as doenças degenerativas.
Proporcionar as condições para o bem-estar dos idosos é acrescentar-lhes vida aos anos, com benefícios para os próprios e para a sociedade.
O texto faz parte de um conjunto de reflexões sobre o Envelhecimento.