Sabia que lhe restavam poucos meses. O médico não deixou qualquer réstia de esperança. Afinal, ela pedira-lhe total sinceridade.
Por isso, antes de informar a família que estava no cais de embarque daquela viagem sem regresso, decidiu fazer-se à estrada e despedir-se dos lugares onde fora feliz.
Ao fim e ao cabo, não foram assim tantos. Nem eram assim tão longe. Simplesmente, quando se vive sem prazo, achamos sempre que amanhã é o tempo certo.
Nalguns locais, nem saiu do carro. Simplesmente, abrandou, parou um pouco e depois seguiu.
Não foi por acaso que deixou aquele pequeno lugarejo para o final. No fundo, sabia que ali iria demorar mais tempo. Apesar de ser o sítio mais pequeno a visitar.
Estacionou junto ao muro encardido pelo abandono e abraçado pelas heras que o mantinham de pé.
Já não havia portão e por isso caminhou com ligeireza até até à entrada.
Subiu os dois degraus de granito e entrou, afastando o lixo depositado pelo vento que soprava pelas janelas já sem vidros.
O quadro preto ainda lá estava.
Fora ali que, pela primeira vez, se tinha apresentado como professora.
E se adorara a profissão!
E como se tinha surpreendido pela sabedoria daquela gente pobre e analfabeta que a ensinou a dar valor à vida.
A aldeia estava agora em silêncio, votada ao abandono. Como a sua vida, que também se desconjuntava como a porta daquela antiga escola.
No quadro, ainda havia uma ponta de giz.
Pegou-lhe, matando saudades do pó que antigamente lhe envolvia as mãos.
E, virada para o quadro, escreveu a data em que ali entrou pela primeira vez.
Por baixo, apenas a frase, com a mesma letra cuidada com que ensinou tantas crianças a escrever: