- Já fizemos várias sessões e ainda só falaste dos avós. E dos teus pais, não queres falar?
- Sim, pode ser. - Respondi.
- Comecemos por uma coisa boa. Conta-me um momento que te tenha marcado, que viveste com a tua mãe.
O sorriso da psicóloga convenceu-me.
Fechei os olhos e comecei lentamente:
- Recordo-me do primeiro Dia da Mãe, na escola. As mães foram convidadas para o lanche, onde iríamos oferecer um postal em forma de coração, feito e escrito por nós. A professora disse-nos que poderíamos levar outro presente para oferecer, se quiséssemos.
Eu levei uma pregadeira de feltro, que fiz com a ajuda da minha avó.
Mas a Maria de Vasconcellos, que por ser rica tinha a mania que era mais que nós, apareceu com um balão gigante, em forma de coração, para oferecer à mamã.
Aquela presunçosa de nariz empinado irritava-me tanto! E fiquei mesmo atrás dela, tapada pelo balão, sem conseguir ver a festa.
A minha mãe percebeu o que estava a sentir sem que eu dissesse alguma coisa. Dizem que as mães têm um sexto sentido e é verdade. Piscou-me o olho, abriu a pregadeira que tinha acabado de receber e dissimuladamente espetou o alfinete.
Puuum!
Ouviram-se gritos e alguns pularam com o susto.
Vá-se lá saber porquê, o balão gigantesco da Maria de Vasconcellos acabara de rebentar.
A minha mãe ainda comentou que deveria estar demasiado cheio mas nenhum dos presentes (filhos e mães) conseguiu disfarçar um sorriso prazeroso.
Calei-me e finalmente abri os olhos.
Reparei que a psicóloga estava a rir, imaginando a cena.
- Agora vou-me embora, que tenho um compromisso profissional.
Saí apressada e desci os 5 lanços de escadas a correr, sem olhar para os degraus. Poderia cair. Mas seria apenas outra queda.
Uma coisa era certa.
Ali, não voltaria mais.
Não fosse a psicóloga perceber que ela nunca me acompanhou à escola. Muito menos no Dia da Mãe.
Houve balão gigante, sim. Mas foi ela própria, com o bico da tesoura, que o rebentou.
Depois disso, o corpo encarregou-se de adoecer sempre que se aproximava esse dia e não voltou a participar nas celebrações escolares.
O Dia da Mãe continua guardado numa gaveta do quarto, onde mantém todos os presentes que fez durante a escola. Talvez um dia lhos entregue…
Há pessoas que merecem críticas porque não conseguem descalçar os seus sapatos para enfiar os do outro.
São desprovidas daquela capacidade psicológica de tentar sentir o que o outro sente numa determinada situação. Empatia, para darmos nome a esta competência pessoal.
Pois eu, se mereço críticas, é pelo oposto. Tenho uma tendência quase obsessiva para calçar os sapatinhos dos outros. Compreender. Não julgar. Tolerar.
Mas não fico por aqui.
Às vezes, encarno mesmo o papel.
Há duas décadas atrás, um amigo ria desalmadamente quando me via dar de comer à minha filha.
Cada vez que eu levava a colher à sua boquinha, abria a boca e mastigava.
Eu (e também ela)!
A sorte é que na altura não existiam telemóveis com câmara e não há registos.
Lembrei-me disto ontem à noite, enquanto respondia aos comentários que me deixaram no blog.
Acrescentei a alguns, uns emojis do Sapo.
E às tantas apercebi-me de que estava a fazer a expressão facial dos sapinhos que seleccionava.
De modos que, entre outras coisas, também tenho cara de sapo.
Por esta altura, eu julgava que todos já teriam percebido que é urgente agir contra as alterações climáticas e a destruição massiva do ambiente.
Infelizmente, ainda há quem acredite que existe Planeta B.
Este fim-de-semana, no supermercado, comprei queijo fatiado e pedi para não me darem o saco. Bastava enrolar no papel.
A moça da charcutaria desabafou:
- Nós nem sabemos como fazer. Você não quer o saco. Há pouco, um cliente levou 2 queijos frescos e pediu para colocar numa caixa de plástico, das que usamos no pronto a comer. E quando lha entreguei, perguntou-me porque não a colocava dentro de um saco de plástico. E eu tive de a enfiar no saco!
E é isto! Anda meio mundo a trabalhar para reduzir o plástico e outros, que provavelmente já compraram uma casinha em Marte para se mudarem quando isto começar a tremer, a arruinar os nossos esforços!