Chegara até aqui sem nunca perceber como é que o tempo se media.
Os homens, que o domaram em horas, dias e anos, ainda não arranjaram uma única medida para que uma hora seja apenas uma hora. Para uns, é tempo que voa. Para outros, uma verdadeira eternidade.
O que é certo é que agora, velhinho, assentiu que o seu tempo estava prestes a terminar. Viveu a querer ser rei. Importante, inesquecível, deslumbrado com a fama. Estava certo de que, doravante, geração alguma haveria de o ignorar. Fez história.
Sem glória, percebia agora. Moribundo. Um dia, uma hora, não são nada. O fim apressa o tempo, concluiu.
Estava só. Aprendeu que a fama não faz companhia aos moribundos.
Haveria de ser lembrado por séculos. O seu nome seria pronunciado por todas as ciências. Seria estudado, investigado... mas o que é facto é que estava a morrer só. Desamado.
"Mais vale ser amado por poucos do que conhecido por muitos", sentenciou, embora já ninguém se importasse com o que dizia.
Lá fora, todos aguardavam aquele jovem que vinha chegando a medo e de mansinho.
Cá dentro, velhinho, moribundo e desamado, o sr. Dois Mil e Vinte morria sozinho!
Há quatro meses que não escrevo e que raramente leio o que corre por aqui.
Sequei as palavras com a mesma geada que se faz sentir por estes dias.
Fiz Primavera por outros lados e pensei em não voltar. Tornar passado este pequeno blog e abandonar o lugar onde me senti tão feliz.
Todavia, de quando em vez, ia recebendo e-emails de pessoas que não conheço mas que me enchiam o coração de luz (na verdade, quem se preocupa com a nossa ausência, que pergunta pelas nossas dores e nos pede para reaparecer, não são desconhecidos, pois não?)
E por estes dias, depois de arrumadas as agulhas, tecidos, sabões e gessos perfumados a que me tenho dedicado intensamente nos últimos meses, ela assolou-me...
...a enorme e incontrolável vontade de soltar palavras!
Essas, que se escondem, que amordaço quando prefiro não dizer o que sinto...que espalmo com outras prioridades...
E aqui voltei para agradecer por este ano.
Enquanto o mundo desabou lá fora, amuralhei-me: nenhum dos meus adoeceu, nada nos aconteceu, domei o tempo graças ao horário de trabalho reduzido e apesar dos mercadinhos de artesanato não terem acontecido, os meus hobbies renderam mais do que o esperado (à custa de trabalhos inimagináveis, tais como máscaras, bolsas para máscaras, porta-géis...)
Quando revisito os meus objectivos de poupança de há um ano (aqui), verifico que foram superados: há séculos que não tinha a conta bancária com saldo positivo, as poupanças foram superadas e o orçamento cumprido escrupulosamente.
Tanto que aprendi nestes meses!
Aprendi a dispensar o que nada me acrescenta, a valorizar ainda mais os pequenos milagres da vida, a sorrir por ver um pão crescer no forno.
Encontrei paz depois de saltar abismos.
Enquanto o tal mundo desabou lá fora e muitas famílias foram colhidas pela morte, doença, desemprego, ruína nos negócios... eu sinto-me egoísta.
Agradecer, no final de 2020, é puro acto de egoísmo.
Ainda assim, eu atrevo-me: obrigada por tudo o que ganhei. E sobretudo, obrigada por tudo o que perdi!
E obrigada pelo carinho de tanto vós, que me impeliu a voltar aqui.