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A 3ª face

Qua | 20.01.21

Sara arco-íris, a colecionadora de cores

Desafio dos lápis de cor, #1 azul marinho

 

azul marinho.jpg

 

Não conseguiu precisar o tempo em que esteve perdida de si.

Talvez meses, talvez semanas. Dias tão vazios como a sua própria mente.

 Durante esse tempo, o que mais a incomodou foram as frases balofas de motivação, que toda a gente lhe oferecia sem serem solicitadas, como se fossem bons dias…mas a verdade é que uma delas estava certa:

Quando se chega ao fundo do poço, a única coisa que podes fazer é ir para cima.

 

1 de Janeiro, 0.00 horas

Noite fria de passagem de ano. Foi aí que chegou lá bem ao fundo. Talvez o instinto de sobrevivência estivesse a lutar para que não se afogasse nas águas de tanta dor.

Deixou-se emergir...

Ao amanhecer, abriu a persiana do quarto, já perra pela falta de uso. Depois escancarou a janela e deixou entrar a chuva. Ao longe, um brilhante arco-íris deu-lhe os bons dias… e deu-lhe também uma ideia…

 

...A vida é para colorir…

-Sara, a vida é para colorir, como se fosse uma caixa de lápis de cor, não é uma mancha preta  - aquela frase fazia agora tanto sentido!

 

 Por desejo, por vingança ou por prazer, Sara decidiu escolher uma cor por mês.

E um homem. Escolhido por uma cor.

 

- Talvez o amor também tenha cor.

Tirou a caixa de lápis da gaveta da escrivaninha e puxou o primeiro.

Azul marinho.

Fácil! Todos os totós de fato se vestem de azul marinho.

 

Arranjou-se e nem precisou exagerar porque a sua beleza era natural. Aliás, continuava a ser uma das modelos mais requisitadas da agência, apesar das últimas recusas.

 

Dia 2 de janeiro, 18.00 horas.

Encostou-se à porta do prédio onde muitas modelos, acompanhantes de luxo nas horas vagas, recebiam clientes. Sempre recusara os convites para este part-time mas sabia que ali a caçada seria fácil.

 

18.10 h.

Umas pernas apressadas pelo nervoso miudinho curvam a esquina em direcção à porta do prédio.

Sara sobe o olhar: Corpo franzino, casaco demasiado grande para o tronco. Casaco azul. Azul marinho…

 

- Olá. Elas não estão, posso ajudar?

- Olá, não te conheço, de que falas? 

- O 6º C está vazio, queres dar uma volta?

- Porque não, onde?

- Ali, no Íbis, que é barato, se quiseres.

 

O Íbis foi barato, Sara não pediu dinheiro e o franzino de casaco azul marinho acreditou ter descoberto o tesouro de Alibabá.

- Tenho de ir, a minha mulher vai estranhar. Mas preciso voltar a ver-te.

 

Sara arrancou um folha do bloco que estava em cima da mesa-de-cabeceira e escreveu uma morada.

- Voltas a ver-me aqui. Quando quiseres.

 

O franzino voltou a enfiar o casaco azul marinho e saiu apressado, enquanto ela se vestia lentamente.

A porta bateu.

Sara sorriu. Já imaginava a figura do franzino quando chegasse à morada que lhe dera.

E compreenderia o que ela lhe quisera dizer sobre o próximo encontro.

 

Chegaria apressado pelo nervoso miudinho, o casaco azul marinho, demasiado grande, a esconder o tesão, abriria a folha para confirmar, voltaria a olhar embasbacado, enquanto, por cima do número da porta relia:

“Funerária Pais,

Profissionalismo e conforto na viagem do NUNCA MAIS"

 

- Ai Sara, Sara, Sara Arco-íris, colecionadora de cores! -Soou-lhe bem a alcunha, entoada frente ao espelho do elevador- Afinal não vai ser assim tão difícil!

 

 

Todas as quartas feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio, lançado  no blogue da Fátima.

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