Sara arco-íris, a colecionadora de cores
Desafio dos lápis de cor, #1 azul marinho
Não conseguiu precisar o tempo em que esteve perdida de si.
Talvez meses, talvez semanas. Dias tão vazios como a sua própria mente.
Durante esse tempo, o que mais a incomodou foram as frases balofas de motivação, que toda a gente lhe oferecia sem serem solicitadas, como se fossem bons dias…mas a verdade é que uma delas estava certa:
Quando se chega ao fundo do poço, a única coisa que podes fazer é ir para cima.
1 de Janeiro, 0.00 horas
Noite fria de passagem de ano. Foi aí que chegou lá bem ao fundo. Talvez o instinto de sobrevivência estivesse a lutar para que não se afogasse nas águas de tanta dor.
Deixou-se emergir...
Ao amanhecer, abriu a persiana do quarto, já perra pela falta de uso. Depois escancarou a janela e deixou entrar a chuva. Ao longe, um brilhante arco-íris deu-lhe os bons dias… e deu-lhe também uma ideia…
...A vida é para colorir…
-Sara, a vida é para colorir, como se fosse uma caixa de lápis de cor, não é uma mancha preta - aquela frase fazia agora tanto sentido!
Por desejo, por vingança ou por prazer, Sara decidiu escolher uma cor por mês.
E um homem. Escolhido por uma cor.
- Talvez o amor também tenha cor.
Tirou a caixa de lápis da gaveta da escrivaninha e puxou o primeiro.
Azul marinho.
Fácil! Todos os totós de fato se vestem de azul marinho.
Arranjou-se e nem precisou exagerar porque a sua beleza era natural. Aliás, continuava a ser uma das modelos mais requisitadas da agência, apesar das últimas recusas.
Dia 2 de janeiro, 18.00 horas.
Encostou-se à porta do prédio onde muitas modelos, acompanhantes de luxo nas horas vagas, recebiam clientes. Sempre recusara os convites para este part-time mas sabia que ali a caçada seria fácil.
18.10 h.
Umas pernas apressadas pelo nervoso miudinho curvam a esquina em direcção à porta do prédio.
Sara sobe o olhar: Corpo franzino, casaco demasiado grande para o tronco. Casaco azul. Azul marinho…
- Olá. Elas não estão, posso ajudar?
- Olá, não te conheço, de que falas?
- O 6º C está vazio, queres dar uma volta?
- Porque não, onde?
- Ali, no Íbis, que é barato, se quiseres.
O Íbis foi barato, Sara não pediu dinheiro e o franzino de casaco azul marinho acreditou ter descoberto o tesouro de Alibabá.
- Tenho de ir, a minha mulher vai estranhar. Mas preciso voltar a ver-te.
Sara arrancou um folha do bloco que estava em cima da mesa-de-cabeceira e escreveu uma morada.
- Voltas a ver-me aqui. Quando quiseres.
O franzino voltou a enfiar o casaco azul marinho e saiu apressado, enquanto ela se vestia lentamente.
A porta bateu.
Sara sorriu. Já imaginava a figura do franzino quando chegasse à morada que lhe dera.
E compreenderia o que ela lhe quisera dizer sobre o próximo encontro.
Chegaria apressado pelo nervoso miudinho, o casaco azul marinho, demasiado grande, a esconder o tesão, abriria a folha para confirmar, voltaria a olhar embasbacado, enquanto, por cima do número da porta relia:
“Funerária Pais,
Profissionalismo e conforto na viagem do NUNCA MAIS"
- Ai Sara, Sara, Sara Arco-íris, colecionadora de cores! -Soou-lhe bem a alcunha, entoada frente ao espelho do elevador- Afinal não vai ser assim tão difícil!
Todas as quartas feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio, lançado no blogue da Fátima.
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