Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

A 3ª face

Qua | 24.02.21

Sara arco-íris, a coleccionadora de cores

Desafio dos lápis de cor #6, Laranja

 

fire-3403874_640.jpg

 

Desde que decidiu fazer a sua colecção de cromos seguindo as cores dos lápis guardados na caixinha, nunca teve dúvidas sobre o cromo laranja.

Os homens de ombros fortes nunca lhe foram indiferentes. Gostava de apreciar aqueles músculos que ligam a cabeça ao pescoço e às omoplatas, movendo-se como troncos de cedros, fortes, rijos e ao mesmo tempo flexíveis.

 

E hoje, quando telefonou ao Laranjinha e lhe pediu para ir a sua casa, já sabia o que esperar:

- Que ele já tinha estado na casa de outras mulheres;

- Que traria aquele ligeiro cheiro a suor misturado com after-shave barato mas que ela tanto gostava;

- Que apesar de cansado – que um homem não é de ferro –, quando Sara lhe abrisse a porta, ele também abriria um enorme sorriso;

- Que viria com o famoso polo laranja - nada discreto, por sinal.

 

O que o Laranjinha não esperava é que desta vez, Sara o recebesse com um robe de cetim arrendado, apenas traçado por um nó frouxo na cintura.

E que em vez de o conduzir ao jardim, lhe dissesse ao ouvido, enquanto apontava para o quarto:

- Hoje carregas-me a mim!

E a bilha da Galp ficou à porta, em cima do tapete, à espera de que o “Homem do gás” tratasse de outro tipo de combustão…

 

Neste desafio participo eu, a Concha, a  Fátima, a Maria Araújo, a Peixe Frito, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, a Cristina Aveiro, a bii yue, o José da Xã e o João-Afonso Machado.

Todas as quartas feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós ;)

Ter | 23.02.21

Salvei um vestido

 

20210222_164111.jpg

 

Uma amiga pediu-me que salvasse um vestido da filha, que chegou a casa com nódoas do óleo dos matraquilhos. 

Na ânsia de retirar a sujidade, o vestido acabou por ficar com as mesmas nódoas e mais algumas manchas descoloradas.

20210222_150207.jpg

 

Se ao menos, as manchas fossem próximas, eu colocaria um aplique, mas assim...

fui experimentar umas aplicações em crochet (as saudades que já tinha disto senhores!)

 

20210222_150438.jpg

 

Cosi algumas flores nos locais do crime e decidi ligá-las por pontos para esconder algumas manchas menores.

Na nódoa de cima, coloquei uma pequena borboleta (afinal, elas adoram sobrevoar as flores)

 

20210222_164350.jpg

 

E, para não parecer o que realmente é (um salvamento), preguei mais umas florzinhas na gola, para combinar.

E, vai-se a ver, adorei o resultado!

 

Qua | 17.02.21

Sara arco-íris, a coleccionadora de cores

Desafio dos lápis de cor #5, azul cobalto

 

Santa_Susana.jpg

 

A Páscoa é sagrada!

Enquanto a avó for viva, regressa sempre àquela aldeia alentejana que a viu crescer, para estar com ela.

Não sabe ao certo se é pelo amor à velhota ou se pelo sabor inimitável dos seus folares.

Se calhar, são a mesma coisa. O amor tem sabor a folar porque é feito com amor.

 

Passou lá a infância mas, de cada vez que chega, o arrepio mantém-se ao ver as casinhas caiadas de branco com a típicas barras azul cobalto.

Quando pequena, acreditava que as pessoas pintavam barras azuis para trazerem o mar para ao pé de si, já que estavam tão distantes.

Agora, a aldeia está cada vez mais deserta e só não parou no tempo porque o relógio da pequena torre da igrejinha - também pintada de branco e azul - empurra as horas cada vez que badala.

 

As ruas trazem-lhe boas lembranças da infância, embora estejam agora pavimentadas e com passeios bem delineados.

Percorria-as a correr, entre as poças de lama, no Inverno, ou as nuvens de pó, no  Verão - que lhe provocavam ataques de tosse - com o primo Zé e o Nandinho.

 

O primo Zé morreu numa dessas Páscoas em que as ruas ainda eram um lamaçal até se chegar ao cemitério- também ele pintado de branco e azul.

Serenou-a perceber que o primo, que não resistiu ao mal no sangue, como dizia o avô, ficaria a sentir-se em casa - com o muro igual - e talvez não percebesse que estava morto e continuasse a correr com ela, escondido nas nuvens de pó.

Prometeu ali, enquanto olhava para os pés enterrados na lama, que estaria sempre com os avós na Páscoa e que a agora neta única iria confortá-los como Maria Madalena fez com a mãe de Jesus, segundo percebeu o Sr. Padre explicar nas aulas de catequese.

 

E o Nandinho.

Esse, cujos olhos eram da cor das barras da aldeia, brilhavam ainda mais, sempre que Sara regressava.

A avó diz que ele teve algumas namoradas.

Talvez. Mas, de cada vez que se cruzam, Sara não duvida que esses olhos azuis apenas tiveram uma única namorada.

 

É feio o que vai fazer.

Os escrúpulos têm limites. Mesmo a sua colecção!

Mas Sara sente  - ou desculpa-se – que não o vai fazer para colar um cromo.

Vai terminar o que ficou suspenso há alguns anos atrás, como se o relógio não badalasse horas nos sentimentos.

Tentará libertar o Nandinho da ideia de que ela é deusa feita de pó, irreal e inatingível.

Talvez ele assim consiga prosseguir a sua vida, aqui na aldeia.

 

O encontro marcado, com os últimos raios de sol a tentarem espiá-los entre os chaparros, nas traseiras do fumeiro da avó -também ele pintado de branco azul -, é feito de silêncios, que o canto das cigarras dizem tudo o que eles pretendem falar.

Os olhos azuis do Nandinho e as barras da empena, tanto azul, tanto mar imenso que cada vez ondula com mais vigor, tanta infância, tanto riso, o primo, os avós…e Sara pede ao relógio da pequena torre da igrejinha que não volte a badalar e que o tempo pare ali, naquelas cores de pura felicidade.

 

Neste desafio participo eu, a Concha, a  Fátima, a Maria Araújo, a Peixe Frito, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, a Cristina Aveiro, a bii yue e o José da Xã.

Todas as quartas feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós ;)

 

Qua | 10.02.21

Sara arco-íris, a coleccionadora de cores

Desafio dos lápis de cor #4,Verde escuro

 

 cranesbill-4308727_640.jpg

 

- Não gosto de verde escuro! –

Sempre mo disseste e nunca soubeste (ou quiseste) explicar porquê.

 

Por isso, quando pintavas paisagens (e como adoravas pintá-las!!!!) transformavas a cor das ervas e das copas das árvores, recusando tingir a tela com essa tonalidade. Assim criaste essa conjugação de cores inédita que, a princípio, desgostou todos os críticos mas que agora aclamam, vangloriando as tuas cores bravias e contrastantes!

 

Certo também é que agora estás longe e eu…aprendi a odiar o verde escuro!

Tenho olhado para a caixa de cores, aberta em cima da cómoda. Olho-a de manhã, pelo meio-dia, quando as sobras encolhem. Revejo-a à noite, apenas com o candeeiro da mesa de cabeceira aceso.

Não há volta a dar! O lápis é verde escuro a qualquer hora do dia e eu tenho de recolher o cromo com essa cor.

Amanhã trato disso

E amanhã…

E amanhã…

 

25 de Março, 16.00 h

Tem de ser hoje! Desde manhã que percorro a rua e o centro comercial e não há homem, gaiato, travesti, que me apareça de verde escuro…

Ou serei eu que desvio o olhar, de cada vez que os meus olhos captam a cor?

 

Ao longe…

Sim ao longe, entre as folhagens, vejo uma figura toda vestida de verde escuro. Ou será miragem?

Aproximo-me…É homem.

Pela roupa, percebo que é jardineiro municipal.

Tem graça! As minhas memórias de criança guardam jardineiros velhos, barrigudos e com as mãos rudes e sujas, de tanto escarafunchar a terra.

Este é novo. Pelas mangas arregaçadas, vê-se que faz ginásio.

E tem uns olhos verdes que ficam ainda mais brilhantes quando o sol lhes reflete a cor da t-shirt.

 

Aproximo-me.

Ele sorri e continua, mais concentrado no que lhe sai dos phones do que na minha presença.

- Olá. São sardinheiras, não são? A minha avó adorava pendurá-las à janela.

- Não menina, Na verdade, são gerânios, ou geranium, se quiser o nome científico. Muitas pessoas confundem-os com as populares sardinheiras  - pelargonium - mas, na verdade, são espécies distintas.

- Fantástico! As coisas que você me ensina! Aposto que me conseguiria transformar em flor e abrir-me as pétalas como se eu fosse um gerânio…

Oiço o riso aparvalhado do Geraniozinho e um silêncio de quem está a medir se serei louca ou prostituta.

- E tem umas mãos tão delicadas a tratar das flores…também usa a ferramenta? Ou trabalha apenas com as mãos? Talvez me pudesse ensinar a tratar das sardinheiras da minha avó…

 

Baixo-me e começo a mexer nas plantas, roçando-lhe os antebraços, tentando enfiar os meus dedos dentro das luvas grossas que o Geraniozinho usa.

Um homem não é de ferro

 Nem de pau, mesmo que seja  Geraniozinho... daí a pouco sussurra-me:

- Queres ir ver onde guardo a ferramenta?

Vamos em silêncio até à casinha de madeira que serve de apoio ao jardim.

 

Fecho os olhos e quando os abro, apenas vejo verde escuro…a t-shirt do Geraniozinho, ondulante, em cima de mim.

Então, percebo que sou uma flor. Sem pétalas. Apenas folhas verde escuras e sinto que, por dentro, também me corre líquido verde escuro.

E odeio-me tal como tu odiavas este tom e odeio-te por me teres deixado uma caixa com um lápis verde escuro.  Não sei quem sou tal como as pessoas não sabem se aquela flor é uma sardinheira ou um gerânio e saio de lá em silêncio, a acreditar que o céu é verde escuro e nunca foi azul e o Sol, esse, não passa de um galho seco que nenhum jardineiro conseguirá fazer florir!

 

Neste desafio participo eu, a Concha, a  Fátima, a Maria Araújo, a Peixe Frito, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, a Cristina Aveiro, a bii yue e o José da Xã.

Todas as quartas feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós ;)

Qua | 03.02.21

Sara arco-íris, a coleccionadora de cores

Desafio dos lápis de cor, #3 Preto

 

sport-1235019_640.jpg

 

8 de Março, 11.00 h

Nunca foi moça de acordar cedo. O colchão só amacia quando o sol começa a nascer porque até lá, é uma amálgama de pedras pontiagudas que lhe ferem memórias e despertam fantasmas.

Por isso, nunca entra no ginásio antes das 11 da manhã.

Este mês, tem reparado em dois rapazes inseparáveis. O descaradão, que não desprega os olhos de si e o amigote, que parece a sombra do outro e que, indubitavelmente, o idolatra.

Todos os dias, o descaradão e o amigote já estão completamente suados quando Sara entra, ainda fresca e cheirosa.

O descaradão, sempre de roupa preta e justa, ganha novo fôlego e recheia os alteres com mais um disco.

O amigote, para não passar vergonha, afasta-se e vai para o tapete fazer uns abdominais.

 

Sara sabe que a cor de Março é o preto. Até já escolheu o cromo. Só espera a oportunidade perfeita…

 

12 de Março, 11.00 h

Os encontros no ginásio estão a dar proximidade.

O descaradão, sempre de sorriso alarve, enquanto encolhe a barriga, espeta o peito e morde o cantinho direito do lábio, vai falando entre dentes com o amigote e miram-na de alto a baixo. Quando Sara os encara, com ar  –dissimuladamente – tímido, o descaradão abre o sorriso e cresce 10 cm, qual pavão em fase de acasalamento.

O amigote, esse, baixa os olhos de imediato, ruboriza o rosto até ficar da cor da t-shirt à cava da Decathlon, sempre de vermelho vivo, e encolhe-se atrás do outro.

 

20 de março, 12.00 h

Sara está a meio do treino e sente os 4 olhos cravados nos seus glúteos, cada vez que termina um squat. Faz de propósito. Menos técnica e mais movimentos sensuais…  a caderneta aguarda…o cromo está escolhido… na próxima semana há trabalho em Madrid e o mês está quase terminado…

 

22 de Março, 11.00 h

Sara entra pela porta e até as paredes do ginásio sustêm a respiração. Está deslumbrante, no seu macacão branco, colado à pele , apenas preso nas laterais por finas tiras de licra.

O descaradão esquece-se que está em prancha e bate com o queixo no tapete.

Ao amigote, hoje ainda mais invisível porque está todo vestido de preto, esbugalham-se-lhe os olhos até à ponta do nariz.

 

Sara passa por eles.

- Olá colegas!

- Oi, oi, miúda! Que pena eu não ser anão! – Diz o descaradão, de imediato.

- Porquê? – pergunta Sara, já adivinhando a resposta.

- Porque hoje és a Branca de Neve e assim partilhávamos o mesmo quarto…

- Vocês são só dois. Se fossem sete, talvez pensasse nisso.

- Eu valo por seis. Aqui o pingarelho pode ser o sétimo.

 

Só faltava essa. Há pessoas assim em todo o lado. Só brilham se os outros lhe servirem de flash.   

 

Sara riu muito (só por fora, que por dentro não achou piada nenhuma)

- Quem sabe se à saída não vos dou uma boleia para a mina de ouro? – murmurou Sara.

 

O que é certo é que os dois amigos saíram mais cedo, rumo ao balneário.

Quando ela chegou ao estacionamento, lá estavam os dois, a simular conversa: o amigote entediado e o descaradão mais agitado, com um sorriso triunfante.

Sara entrou no carro e fez por passar entre eles. Separou-os com o carro. Um de cada lado.

Abriu a janela do lado direito e ordenou:

-Vá anãozinho, entra.

Porque estava a hesitar, debruçou-se e abriu –lhe a porta.

 Ele obedeceu. Atónito.

Antes de arrancar, Sara virou-se para o lado esquerdo.

O descaradão continuava especado, de boca aberta, sem reagir, ao ver o amigote sentado no banco do carro.

- Adeus, seis anões! Sabes, prefiro só um de cada vez!

 

Os pneus chiaram e nenhum a ouviu terminar:

- Quem escolhe os cromos sou eu, parvalhão convencido. E este até foi duplo!

 

Neste desafio participo eu, a Concha, a  Fátima, a Maria Araújo, a Peixe Frito, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, a Cristina Aveiro, a bii yue e o José da Xã.

Todas as quartas feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós ;)