Isto, das meninas usarem rosa e meninos azul, é um verdadeiro atentando.
Até porque uma das cores que tornam o homem mais sexy é precisamente o rosa.
Uma camisa rosa salienta a maçã de adão e enaltece os bíceps delineados.
Há qualquer coisa de mágico numa barba mal feita a bater num colarinho desta cor… que lhe abre um fogo laranja, vermelho… e a faz sonhar com lençóis brancos e beijos cor-de-fogo.
Outra desvantagem é ser, até agora, o cromo mais difícil de encontrar.
Dias e dias atenta, a olhar para todos os lados e não surge, no seu raio de alcance, um panterinha cor-de-rosa!
Porém, há horas em que, independentemente da cor, os astros se alinham…
Concentrada em fazer os seus 5 km de corrida, Sara atravessa o parque, quando, de repente, se cruza com um desportista em passo acelerado.
Só milésimos de segundo depois - uma eternidade, neste caso – é que Sara percebe que pode ser o seu cromo. À velocidade de sprinter, o panterinha tinha-lhe passado ao lado!
Sara vira-se e ainda o vê. Acelera…corre…voa… mas toda a gente sabe que as panteras são animais velozes e o tipo da t-shirt cor-de-rosa mantém o ritmo.
Mas também toda a gente sabe que uma mulher, quando quer muito uma coisa, arranja sempre maneira de a conseguir.
Sara cai – ou melhor, finge que cai - e grita.
O panterinha consegue ouvir e vira-se. Ao vê-la no chão, volta para ajudar.
Levanta-a mas Sara desequilibra-se.
Ele mexe-lhe nas pernas à procura de entorses ou contusões.
Só que não há nada naquelas pernas, a não ser uma armadilha bem planeada.
- Adoro essa t-shirt cor-de-rosa – diz-lhe Sara, depois de o ter enredado – faz-te tãaaao sexy…
- Cor-de-rosa???? Isto é uma t-shirt do meu Benfica! Vermelha como o meu coração de águia.
- Desculpa a pergunta mas, por acaso, és daltónico? – Sara ia perguntar-lhe mas a questão morreu enquanto lhe mordiscava a orelha.
Para quê roubar-lhe o orgulho de envergar uma t-shirt vermelha-encarnada-do-seu-Benfica?
Afinal, o panterinha não tinha culpa do clube se ter lembrado de arranjar um raio de equipamento alternativo tão rosinha!
O trabalho que Sara mais detestava era fotografia para revistas de moda. Dias intermináveis a vestir e despir entrouxos - como a avó designava a roupa extravagante - e a calçar sapatos que desafiariam os melhores equilibristas.
O ambiente, ainda por cima, estava pesado.
O fotógrafo era o Azulinho, profissional experiente, já a roçar os sessenta anos e com a carreira a afundar-se, depois do episódio em que as duas colegas, com quem estava ali a trabalhar, tinham sido protagonistas.
Uma sessão fotográfica é como um dia primavera: se o Sol está encoberto e não o consegues fitar, nada brilha. E uma modelo tem de encarar a câmara como se fosse o Sol, para que o resultado seja brilhante.
Ora, depois do que aconteceu há cerca de seis meses, nenhuma delas conseguia fixar a objectiva do Azulinho.
E o homem ainda estava pior! Mais parecia o Sol dançante da Cova da Iria, sem conseguir disfarçar a tensão e cólera.
Mas Sara tinha ficado à margem do escândalo e se este era o mês do cromo azul céu, teria de aproveitar!
No primeiro dia, tentou conversa, sorrisos, sinais… mas nada!
Nas pausas, o gajo nem olhava e aproveitava para se afastar do grupo.
No segundo dia, esforçou-se ver-da-dei-ra-men-te!
De tal modo, que a produtora da campanha a chamou à atenção várias vezes para que não sorrisse.
Afinal, toda a gente sabe que uma modelo que se preze não mostra a cremalheira nem as rugas de expressão! Serve para manter aquele ar intimidante que parece dizer ao público: tu aí, se não usas esta roupa, és um vermezinho encolhido, olha para mim com este ar superior e um peso na cervical que me eleva a ponta do nariz!
Mas a sedução de Sara lá atravessou a objectiva e conseguiu atingir o fotógrafo.
Ao terceiro dia de trabalho, depois de todos terem saído, ela esperou, escondida, que o Azulinho arrumasse a parafernália de tripés, lentes, luzes… e aproximou-se por trás.
Foi um serão demorado, lento, saboreado. A idade tira energia mas dá sabedoria, sem dúvida.
Aquelas duas colegas envolvidas no escândalo, depois de terem divulgado que o fotógrafo, para aguentar a menage a trois, tomara dois comprimidinhos azuis numa só noite, passaram a apelidá-lo de Azulinho.
O escárnio e as conversas inventadas que se seguiram provocaram danos: os risinhos e as anedotas que grassaram no meio da moda tornaram o fotógrafo inseguro e deprimido.
Não foi por pena que Sara o escolheu, isso não! Apenas porque não tinha de se esforçar para procurar outro homem.
Mas a vida está cheia de coincidências, tal como o céu está cheio de nuvens que vêm e vão.
No quarto dia, Sara esforçou-se por ignorar o serão. E o fotógrafo também.
Porém, o que passa despercebido aos olhos humanos não escapa à objectiva de uma boa câmara fotográfica (ou será mais do que isso?)
E vá-se lá saber porquê, uma fotografia de Sara, tirada pelo Azulinho nesse dia, viria mais tarde a ser laureada como a Foto de Moda do Ano, num concurso da especialidade!
Todas as quartas feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós ;)