Como se vive numa das terras mais quentes de Portugal
Conhecem a anedota do Alentejano que morreu e chegou ao Inferno, de capote vestido?
Sentou-se calmamente e por ali ficou.
O Diabo, surpreendido por não o ouvir reclamar do calor, aumentou ainda mais a temperatura.
O Alentejano, calmamente, tirou o lenço vermelho que trazia ao pescoço e por ali ficou.
O Diabo, ao vê-lo impávido e sereno, tornou o inferno ainda mais quente.
O Alentejano, sentido o calor aumentar, pegou no lenço vermelho e levou-o à testa, para limpar o suor e por ali ficou.
O Diabo, já irritado, tornou o Inferno ainda mais quente.
Aí, o Alentejano desabotoou o botão do colarinho, ajeitou o capote e por ali ficou. Porém, mostrou uma cara preocupada.
O Diabo, ao ver esse aspecto consternado, não resistiu e foi ter com o Alentejano, com ar zombeteiro:
- Então compadre, parece preocupado. Não se sente bem?
- Por acaso, tô cá cismando com uma coisita -respondeu o Alentejano.
- E o que é, compadre, não gosta da temperatura do Inferno?
- Pois é mêmo isso. Está quentinho e eu tô preocupado... se isso está assim aqui, tô imaginando como é que nã tará lá em Beja!
O Alentejo conhece o calor extremo todos os anos. Mais grau, menos grau, há dias em que não se consegue sair à rua.
Como estes últimos três dias, em que nem a noite nos arrefece.
Uma família alentejana sabe que não pode abrir janelas nem portadas durante o dia. Vive-se na penumbra.
Eu sei e assim faço.
A nossa famosa lentidão é o segredo para sobreviver acima dos 40º. Movimentos bruscos aumentam o ritmo cardíaco e a temperatura corporal e nós precisamos é de manter o corpito fresco.
Por isso, acordamos mais cedo para fazer o essencial e depois reduzimos a actividade ao mínimo.
Alimentamo-nos de gaspachos frescos e muita melancia.
Os animais também são família e ficam cá dentro.
Todos dormitamos, que é assim que se luta contra o calor infernal.
Ao anoitecer, estendemos a roupa e antes de dormir estará pronta para ser apanhada.
Há-de acumular-se junto à tábua, à espera de dias mais frescos.
E vamos esperando que passe o "calmêro".
Enquanto isso, agradecemos. Por não vermos as nossas árvores propagar a fúria do fogo que alastra noutros pontos do país.
O calor há-de passar e voltar. Faz parte da vida, como as searas de trigo.
As tragédias, essas é que não!