Desafio da escrita - dia 15:vida
Criou dois filhos homens mas o desgosto de não ter uma menina acompanhou-a até ao dia em que lhe nasceu o primeiro neto, numa época em que as ecografias ainda não haviam sido inventadas.
Era uma neta.
A bebé rechonchuda e tranquila arrebatou-a de imediato.
Todos os dias, a caminho do Mercado, onde ia comprar os alimentos para o almoço do marido, fazia paragem na casa do filho.
Para ver a menina.
Mesmo que estivesse a dormir, ficava a contemplá-la, perdida nas horas e nos sonhos.
Acredito que o seu pensamento ficasse suspenso nos futuros passeios e brincadeiras.
Iria ensiná-la a fazer renda e a costurar, como sabia fazer tão bem.
Por certo.
Muitas vezes, esquecia-se do almoço, o que lhe custou alguns raspanetes severos do marido.
Certo dia, enquanto assistia a uma demolição perto de casa, um pedregulho escapuliu-se da escavadora e atingiu-a.
Agonizou quase uma semana na cama do hospital, que não houve possibilidade de a salvar.
Apenas chamava pela neta, com os sonhos de uma vida desfeitos pela morte.
Morreu no dia de Natal.
Foi enterrada dois dias depois, na data em que a sua menina completou os primeiros seis meses de vida.
Se a continuou a acompanhar nas brincadeiras e nos passeios? Talvez.
Mas, de algum modo, cumpriu o sonho de a ensinar a fazer renda e a costurar, como sabia fazer tão bem.
Por certo.
A neta?
Sou eu.
Texto inserido no Desafio da escrita
Palavra do dia 15: vida