Desafio da escrita - dia 17: relógio
Viver numa terra pequena tem particularidades que só percebemos quando saímos para um lugar maior.
Todos nos conhecemos.
Todos nos cumprimentamos.
A vida de uns e de outros acaba por ser partilhada. Para o bem e para o mal.
A rotina dos dias pode fazer-se a pé, sem correrias, paragens, filas de trânsito. Que aqui o tempo passa mais devagar.
Não posso afirmar que seja geral. Mas nas terras pequenas, ninguém precisa de usar um relógio no pulso.
O sino da torre do relógio ou da igreja marca as meias horas e as horas certas e basta-nos contar o número de badaladas para saber que horas são.
Foi assim que cresci.
Pelo relógio da torre, sabia a que horas me levantar para ir para a escola.
E, pelo caminho, percebia se tinha de alargar o passo para chegar a horas. Afinal, ainda tinha de bater a várias portas para recolher as amigas que faziam parte do grupo que chegava junto à escola.
Mais tarde, quando cheguei a Lisboa para estudar, foi o deslumbramento.
O mundo era lá.
Onde se podia fazer tudo e havia de tudo!
Todavia, vivia presa aos minutos do relógio, para não perder os autocarros.
Saía de casa às seis e meia da manhã para chegar à faculdade duas horas depois.
Ninguém me desejava bom dia.
(Embora, de quando em vez, alguns tarados me cumprimentassem em silencio, no aperto do autocarro.)
Se me perdesse, se precisasse de ajuda, ninguém me iria dar um sorriso que eu reconhecesse desde sempre.
Nunca conheci os vizinhos dos prédios onde morei.
E, com o certificado na mão, onde se lia uma excelente média de curso, não tive dúvidas quanto ao futuro.
O meu lugar é aqui, onde a vida continua pautada pelo relógio da torre.
Agora digital, com um timbre mais agradável, que nenhuma terra pára no tempo.
E daqui saio para o mundo, sempre que quero.
Mas é onde sempre desejo voltar.
Texto inserido no Desafio da escrita
Palavra do dia 17: relógio