Desafio dos pássaros #10
Tema da semana: Já chegámos? Já chegámos?
crédito da imagem
Será aquilo a que chamamos destino o simples resultado da nossa predisposição genética para agir?
Serei eu responsável pela impulsividade que não consigo controlar?
A Ilha do Pessegueiro não fica assim tão longe de Porto Covo.
Mas apenas quando estamos do lado de cá, a contemplar aquele pedaço de terra teimosa, enquanto trauteamos a canção do Rui Veloso.
Na maré alta e com corrente forte, não é bem assim.
Sobretudo quando nem sequer se sabe remar…
Ao fim de uns minutos a tentar controlar o barquinho, cedi à força da corrente.
Já nem sentia os braços.
Deixei-me ir…tinha sede.
Tanta sede!
O sol queimava quando fechei os olhos.
Subitamente, debaixo de um oleado amarelo, saiu uma figura robusta, que me sacudiu:
- Não durma, menina, não pode! Estamos quase a chegar…
Mas eu, ressequida e exausta, entreabria os olhos e voltava a fechar.
Por diversas vezes…
Era um homem novo, vestido com roupas estranhas: um turbante vermelho e uma túnica larga e comprida, apertada elegantemente com um cinto, cujo brilho da fivela me ardia nos olhos.
É o vizir! O vizir de Odemira!
Que por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Covo!
É o seu fantasma que me transporta na barca para o purgatório, como descrevia Gil Vicente!
Morri!
Porém, continuava com aquela sensação de queimadura que me dilacerava o corpo todo, por dentro e por fora!
Tomara já sentir a frescura do paraíso!
- Já chegámos? Já chegámos? - perguntei.
- Está quase, menina, não durma, mantenha os olhos abertos.
De vez em quando, mesmo através das pálpebras semicerradas, eu via a luz.
Aquela luz que dizem existir quando morremos.
É forte.
É azul.
- Já chegámos? Já chegámos, Vizir?
- Calma menina! Há muito trânsito com o pessoal que está a sair das praias e sabe que esta estrada é estreita. A ambulância está com as luzes de emergência mas, ainda assim, é difícil.
Logo, logo, chegaremos ao Hospital.
Com esforço, arregalei os olhos.
O manto do vizir era vermelho e tinha o nome bordado:
Bacalhau da Silva, Bombeiro de 2ª
Ainda o ouvi perguntar, antes de voltar a perder os sentidos:
- E como é que se chama a menina? Como foi parar dentro de um barco na zona das rochas, onde se apanha o mexilhão? É que estava completamente nua e nem sequer tem documento de identificação…