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A 3ª face

Sex | 22.11.19

Desafio dos Pássaros #11

 

Tema11: Um dia na tua família… do ponto de vista do teu animal de estimação

 

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Porquê?

Porque me vieste deixar aqui, voltaste as costas e te foste embora?

 

Lembro-me nitidamente do dia em que me encontraste. Estava acabrunhado e  tremia de medo debaixo desta mesma árvore, onde agora me abandonas.

Apesar de pequenino e exausto, senti-me enorme quando as tuas mãos me agarraram com meiguice e, no teu colo, me afagaste até sentires que estava calmo.

Levaste-me para casa e fizeste de mim o melhor amigo.

Por isso saltitava tanto assim que te via chegar!

Fazia demasiado barulho para chamar a tua atenção?

Terá sido naquelas manhãs em que o sol brilhava e eu acordava cedo e não te deixava dormir?

 

Não percebo muito de humanos mas sempre achei que a tua família era também minha.

Mesmo naqueles serões quentes em que a azáfama de volta das abóboras não me deixava dormir…

Ou nas tardes frias de inverno, junto ao lume de chão. Tenho medo do fogo mas, por ti, aguentei o calor e o crepitar da lenha de sobro, que fazia saltar tantas fagulhas.

Pensei que havia ganho a tua confiança quando me levaste a passear nos campos e não fugi uma única vez.

Ouvi as tuas confissões, os teus soluços profundos pelos desgostos que também são meus.

Tal como tu, também não sei da minha mãe…também não teria sobrevivido se alguém, num acto de amor, não me tivesse abraçado. Foste tu!

 

Agora, vens-me deixar à sombra da mesma árvore e vais-te embora?

E levas essas lágrimas que finges não te molharem o rosto e pedes-me para ser feliz?

 

Aqui estou sozinho.

Olho em volta e já não me sinto tão pequeno.

A árvore tem uns ramos frondosos, que se agitam na brisa que ainda corre a esta hora.

O céu, de tão azul, apetece rasgar!

 

Sem saber como - porque nunca me ensinaste - sinto uma vontade enorme de me abrir.

Bato as asas e descubro que, mais do que os pequenos saltos que dava na gaiola… eu consigo voar!

 

E subitamente, torno-me inteiro.

Sinto-me feliz.

Afinal sou um pássaro e é na revoada que celebro a vida.

 

Tu sabias!

Sentiste que era a altura de me devolver ao meu lugar.

Eu só agora o descobri.

 

Às vezes, amar é isto:

Deixar ir.

 

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