Desafio dos Pássaros #13
Tema da semana: Reescreve o final dum filme
O jardineiro voltou no dia seguinte para aparar a alfazema.
Quando o vi chegar, o meu coração disparou e pensei, muito seriamente, que iria ter uma síncope.
Ele nem olhou para a porta da loja.
Fez o seu trabalho com um sorriso nos lábios e os fones nos ouvidos.
Mas depois, com um ramo de alfazema na mão, dirigiu-se apressadamente na minha direcção e veio perguntar se gostava do cheirinho.
Claro que gosto. Mais do que nunca!
Pelo meio da conversa, disse-me que também adora cinema.
Como os grandes ecrãs ficam longe, havia comprado uma smart TV daquelas modernas, com 3 D.
Convidou-me para uma sessão ao fim da tarde (terá sido coincidência ser na altura em que o avô vem para o largo tagarelar com os amigos?) e eu nem consegui fazer-me de difícil!
Por volta das seis da tarde lá fui, com o coração outra vez a marcar ritmo.
Cheguei ao portão de madeira e bati na maçaneta de ferro forjado.
De imediato, o pastor alemão e o rafeiro alentejano aproximaram-se a ladrar.
Mas o Zequinha - como é chamado carinhosamente por toda a aldeia - apareceu e com um assobio, devolveu-os ao lugar da sesta, debaixo da laranjeira.
- A convidada escolhe o filme! -ordenou.
Em 3D, que outra coisa escolher senão o Jurassic Park?
Ele concordou.
Colocámos os óculos e durante mais de uma hora, divertiu-se com os meus gritinhos e saltos desesperados.
É que eu sentia-me mesmo dentro do filme!
Quase a terminar, ele levanta-se e diz que vai preparando um lanchinho.
E eu continuo a tentar fugir da ilha, corro à frente do tiranossauro, sinto-me ofegante e desvio-me para o lado esquerdo…
De repente, sinto uns dentes afiados encostados à minha bochecha e um fio de baba escorre-me até ao pescoço.
Ele apanhou-me!
VAI-ME TRINCAR E DEVORAR!
AAaaaaiiiiiiii!
Em segundos, toda a aldeia se aglomerou junto ao portão, para acudir à desgraça.
Durante dias, em cada esquina, cismou-se acerca da pouca vergonha ocorrida entre a afilhada do Chico da Taberna e o neto do Ti Horaiço.
Que lhe teria ele feito para tamanho grito?
Porque saiu a correr com uma venda de plástico enfiada nas fuças?
Não voltarei lá.
Não só pela vergonha.
Mas, sobretudo, pelo diabo do rafeiro alentejano que entrou sorrateiramente pela porta da cozinha e me veio lamber com a enorme língua, logo no momento de maior suspense do filme.