Desafio dos Pássaros #2.12
( o penúltimo)
Tema: Mais oito
Pontinha
Espero que esta carta chegue ao destino para que percebas que não fugi.
Uma destas noites, depois das alarmantes notícias do telejornal, consegui convencer os meus avós a fazer o confinamento na nossa pequena aldeia.
Sei que havia prometido nunca voltar mas é mais seguro estar aqui e eu quero muito protegê-los. São o meu bem mais precioso e os dois alicerces que me seguram à vida.
Infelizmente, aqui não há rede de internet nem da minha operadora de telemóvel.
Tenho relembrado as nossas longas conversas.
Embora não queira, penso em ti.
Ninguém consegue contrariar o coração.
Todavia, o meu medo é avassalador.
Sei que nunca serás feliz a meu lado.
É impossível remar dentro de um barco naufragado!
Sabes aquela árvore de que tanto te falei?
Escrevo-te à sua sombra. É para aqui que volto sempre que me perco.
Ela chama por mim. Um destes dias, volto a subir.
E eu, que jurara nunca mais cá voltar!
Esquece-me Pontinha. Eu fico bem!
Mas eu já me decidira mesmo antes de ler a carta.
Meti um pequeno saco dentro do carro, despedi-me com um “volto em breve, não se preocupem” e ainda consegui ouvir os gritos da minha mãe:
- Mas onde vais? Está tudo fechado…olh’ó COVID!!!
Duas horas depois, a temperatura dolente do Alentejo avisava-me que estava perto.
Sem GPS nunca chegaria à aldeia. O caminho desnudado esconde-se entre trigais e onde alguns veriam palha seca, eu vi o ouro reluzente que me conduziria ao tesouro.
Parei por imposição do GPS, que me mostrou que aquele portão pintado de azul era o meu destino.
O carro quebrou o silêncio da aldeia em confinamento e duas cabeças se assomaram à janela.
Reconheceram-me e com ar surpreso mas um enorme sorriso, vieram ao portão.
- Sr. Enfermeiro, por aqui?
Após um cumprimento telegráfico, perguntei:
- Onde está a vossa neta?
- Foi à horta buscar umas verduras para a sopa. Não se deve demorar pois já abalou há tanto tempo.
- E onde é a horta?
- Vê aquela azinhaga? É conhecida pela Azinhaga das Onze Voltas. Onze curvas, como se diz na cidade. A horta fica na nona. Vá até lá que a menina vai ficar contente. Sabe, voltou a piorar.
- Meti-me no carro. Primeira volta, contei. Faltam oito!
O coração disparou, empurrando-me como uma seta para o alvo.
Reconheci a horta pela enorme árvore que ela me descrevera.
O açude, quase seco, espelhava uma figura estranha pendurada em cima da árvore.
Instintivamente, fechei os olhos...
(continua)