Desafio dos pássaros #2.3
Tema: Manual para iniciar relacionamentos
Olho o seu vulto coberto por um fino tecido branco e percebo, pela primeira vez, o significado da perda.
Aquele corpo, que me acompanhou desde que tenho memória, mantem-se inerte.
O meu tio-avô Dino, o Diamantino, partira.
E com ele, veio o primeiro contacto com a morte, com os rituais fúnebres e com a vida-tal-como-ela-é.
Enquanto olho, correm-me as memórias e o quanto aprendi com ele.
Era um apaixonado por cinema e grande parte do dinheiro que recebia da reforma gastava nas viagens para a cidade, onde devorava todos os filmes em estreia.
Sempre foi a minha companhia e as conversas intermináveis ensinaram-me quase tudo da arte de viver…e de amar.
Adorava falar-me das namoradas e da forma como as cativava.
Na altura, não percebia porque me confidenciava que as dezenas ou mesmo centenas de mulheres que passaram pela sua vida o tratavam por Dinão. Tal como um dia me chamariam Pontão, assegurava ele.
Ensinou-me truques para as atrair, tal como os olhares de D. Juan e as conversas de apresentação com humor malicioso.
Falava-me da importância de ouvir o que elas não dizem mas que exigem que adivinhemos.
Onde devemos tocar para as levar à loucura.
Contava-me algumas das suas belas histórias de amor, da dança na praia, da instrutora da tropa que levava a passear na mota, de como fez um banquete no corpo de uma mulher…
- Um dia, escrevo um manual para iniciar relacionamentos – Costumava murmurar para rematar as conversas.
- Que estranho não aparecer nenhuma das antigas namoradas do tio Dino, aqui no velório… - comentei com a minha avó Pulquéria.
- O quê, filho? – Quase que os olhos lhe saltaram, a fixarem os meus.
- Alguma antiga namorada do tio…
- Namorada? O Diamantino teve uma doença grave, quando era mais novo que tu, que o tornou impotente. E nunca na vida teve uma namorada!!!!
A morte é apenas a morte.
Mas a vida!?
Ah, a vida é tal-como-ela-é, tio Dinão!
Pode ser tudo aquilo que queremos que ela seja...