Desafio dos pássaros #2.7
Tema da semana: Escreve o teu elogio fúnebre
Tenho tratado a minha Bela Adormecida como um pássaro dentro de uma gaiola dourada.
Vou induzindo os médicos em erro, ao afirmar que ainda há risco se tiver alta.
Pura mentira! Só não quero que saia para sempre da minha vida.
Não tenho esse direito, eu sei.
Hoje, saí de casa decidido a aprisionar o meu egoísmo em vez da minha amada.
Na reunião de início do turno, dei o meu parecer favorável à alta e o médico concordou.
Ah, o AMOR! Pudéssemos nós escolher por quem bate o coração!
Tenho duas colegas que me assediam descaradamente e eu, a suspirar por uma doente… Um amor impossível e deontologicamente condenável.
Sinto-me um Romeu. E ela, será a minha Julieta?
Ainda não percebi. Falamos muito mas isso, todos os doentes aqui fazem.
E já percebi que a visão dos apaixonados fica distorcida. Porque ainda não inventaram uns óculos para os cegos de amor?
Entrei no quarto.
Para a despedida.
- Olá, estamos melhores, não é verdade? – perguntei eu com a voz trémula e um sorriso falso e nervoso.
- Sim, sem dúvida!
- Acho que é hoje que a menina vai para casa. Deve estar ansiosa por isso, não é verdade?
Silencio.
Continuei:
- Não deverei voltar aqui antes do final do turno, por isso acho que é a nossa despedida. Espero sinceramente que recupere e seja muito feliz.
- Quem sabe nos encontremos por aí – disse a minha Julieta.
- Talvez noutra vida – retorqui.
- Talvez. Se encontrar um epitáfio a dizer “ Aqui jaz aquela que nunca soube sorrir ” já sabe que sou eu, Sr. Enfermeiro.
Quis falar mas o coração entupiu-me a garganta e sufocou todos os sons.
- E o enfermeiro, qual será o seu elogio fúnebre?
Só pensei no que disse depois de me calar:
- Aqui jaz Pontinha, o enfermeiro que ajudou a sarar feridas e doenças mas não soube tratar da sua. Poderia ter sido príncipe de um conto de fadas mas sucumbiu à estranha doença do arrependimento, pelo efeito secundário do vírus da falta de coragem. Ao despedir-se, disse que partia mais cedo por ter uma missão no Além: fazer alguém sorrir.
Não sei dizer quanto durou o silêncio que se seguiu.
Mas foi quebrado pela voz fininha da doente da cama ao lado:
- Ó Sr. Enfermeiro, porque não lhe dá o número de telefone?
E piscou-me o olho…