Desafio dos pássaros #2.9
Tema da semana: Tive uma ideia!
"Amanhã, Pontinha entrará no retiro profissional, sem saber quando tudo terminará."
Foi assim que terminou o texto da 8ª semana do Desafio dos Pássaros.
Soou a previsão, numa altura é que ainda não suspeitava que a vida dá voltas e por vezes, encurta o tempo e a vontade de escrever.
A história do Pontinha ficou suspensa.
Mas eu não sou mulher de deixar coisas por terminar, mesmo que as encerre duas ou três reencarnações depois...
Pontinha desconfinou agora. A medo, tal como o resto do Mundo, aliás.
Depois de dois meses repletos de horas extra, Pontinha mereceu a semana de descanso.
Estava pálido e tinha a sensação de ter o corpo impregnado pelo cheiro do hospital.
As olheiras escuras esbatiam-se nas marcas vermelhas da pele, roçada horas a fio pela máscara cirúrgica.
Quando chegou a casa, depois de tanto tempo sem visitar os pais, o ar de susto da progenitora alarmou-o.
- Precisas de apanhar sol, filho! Pareces um morto-vivo. Ainda te caem os dentes com falta de vitamina D.
(A mãe sempre adorou mostrar que percebia de Saúde, embora depois se baralhasse com as doenças, sintomas e remédios)
- Tive uma ideia: amanhã vamos caminhar! - Decidiu ela.
No dia seguinte, lá saíram bem cedo. Chapada acima até ao castelo, pelo trilho que percorre desde a infância.
Foi narrando à mãe episódios das últimas semanas.
Os turnos prolongados, as angústias de quem chegava com dificuldades respiratórias, a pressão dos familiares para saberem notícias dos doentes. Os pesadelos que ainda tem pela incapacidade de salvar todos. E a serenidade de quem cumpriu a missão de cuidar mas de ser, também,o último confidente dos moribundos.
Distraída, a mãe tropeçou numa pedra e quase caiu.
E Pontinha lembrou-se da D. Dolores.
Manteve-se lúcida até ao fim, mesmo com mais de 85 anos.
Pediu para falar. Calara segredos e não queria partir sem soltar o que amarrara a vida inteira.
Pontinha esteve lá, apenas a ouvir, mesmo quando a voz já era apenas um murmúrio.
E guardará para sempre as últimas palavras da velhinha:
As piores pedras não são as que encontras no caminho.
São as que andam escondidas nos bolsos de quem caminha ao teu lado.