Em dia de greve, todos têm razão?
Sou funcionária pública e não fiz greve.
Não me desmembrem já.
Nem me louvem.
O que eu quero relatar é que hoje estive do outro lado.
Há um mês que esperava por uma consulta médica.
Fiz 60 km para ir ao hospital ouvir, da própria médica, que não podia efectivar a consulta.
Cá fora estava um paciente furioso. Demorou uma ano em exames e marcações até lhe ser confirmado o diagnóstico de cancro na prostáta (como ele referiu).
Hoje, finalmente, iria à consulta para ser decidido o tratamento.
E ele, mais o seu cancro da prostáta, voltaram para casa. Iguais a ontem (talvez o cancro tenha ganho terreno e esteja mais disseminado, saber lá).
E vim a pensar na velha questão: até onde os direitos de uns se podem sobrepor aos direitos dos outros?
Nisto das greves, todos têm razão.
Uns querem melhores regalias. Outros querem ser atendidos nos serviços públicos, que para isso é que pagam impostos.
Pessoalmente, sinto cada vez mais descrença nas greves.
Sinto-as vazias.
Parece-me que existem para cumprimento de calendário, como as acções de formação financiadas que têm de ser concretizadas até ao final do ano civil.
Ou como a Black Friday.
Todos os anos, já sabemos que vão acontecer na altura ideal, quando já cintila o 13º mês.
A greve geral da função pública também tem uma data ideal. A uma sexta-feira (aproveita-se para fazer ponte), imediatamente após recebermos o vencimento (dinheiro fresco faz esquecer o corte do mês seguinte) e com efeitos diluídos no recibo que engloba o 13º (nem vamos dar pelo desconto, vamos lá ficar em casa).
Eu ainda me lembro do meu pai fazer greve, logo após ao 25 de Abril, por direitos fundamentais. E faziam o horário de trabalho junto à porta da empresa. Nem um minuto de atraso.
Hoje em dia, sinto a greve como uma forma de reivindicação “que tem de ser”.
Com data marcada.
Bora lá fazer greve no dia em que dá mais jeitinho.
E como não acredito em lutas por marcação, vim trabalhar.