O Amante Japonês: O livro de Isabel Allende que não voltarei a ler
Em primeiro lugar, devo confessar que Isabel Allende é a escritora viva que mais admiro.
Pela escrita ligeira mas cheia de mistério e, sobretudo, pela promiscuidade que consegue criar em cada história, entre o realismo, o contexto histórico e o universo mágico.
Em segundo lugar, advirto que não sou uma mulher espiritual, com crenças num mundo paralelo, suportado pela religiosidade ou pela fé em deuses pagãos.
Talvez seja mesmo isso que me seduz em Allende. A capacidade de imiscuir os espíritos na casa que é a nossa vida real.
E é isso que espero de Isabel. Que cada capítulo dos seus livros seja sobrevoado por um mistério divino, por uma crença de um povo distante ou, simplesmente, pela intuição sobrenatural de uma mulher.
Dos livros que tenho lido, sempre senti o arrepio na espinha provocado por esses momentos mágicos, mesmo que ligeiros e dissimulados.
Até num tema bem actual, centrado num desafio online, tal como o “O Jogo de Ripper”, esse universo transcendente impregnou o livro do princípio ao fim.
Quanto ao Amante Japonês, não senti esse vai-vem de espiritualidade, misto de magia e beleza, que me arrastam para dentro das páginas do livro.
Parece-me que Isabel Allende criou duas histórias de amor para colorir um relato histórico, invertendo a escrita que lhe conheço. Normalmente, é o contexto histórico que ampara o romance, como personagem secundária.
Aqui, senti que o romance foi uma pincelada para dar cor a uma parte da história americana que ficou esquecida escondida pela vergonha: a dos campos de concentração para japoneses, em território americano, muito semelhantes aos criados pelos alemães, durante a II Guerra Mundial.
Saliento, todavia, a forma magistral e sentida como Allende aborda o tema da velhice, só possível por quem já sente os passos mais lentos (Allende publicou o livro aos 73 anos).
Quanto ao enredo, não me arrebatou. Aliás, ou já conheço demasiado bem a estrutura dos seus romances, ou é uma história relativamente previsível (adivinhei a doença do marido e o final da história).
Mas Allende é Allende. E é um livro que vale a pensa ser lido (embora não relido).