Quando 4 totós descobriram a Semana Santa Andaluz
De quando em vez, aproveitamos as férias da Páscoa para umas mini-férias. Ora em Portugal, ora em Espanha.
Há 4 anos, decidimos ir até Granada.
Durante a Semana Santa.
Sem ter a mínima noção de que iríamos encontrar uma cidade a cheirar a incenso, inundada de fiéis e de turistas para assistir às famosas procissões.
Por esta altura, a fé fervilha em toda a Andaluzia. O que, para um típico alentejano, é, no mínimo, estranho. No nosso país, as maiores manifestações religiosas estão a norte.
Em Espanha, o mapa da fé parece invertido: é no sul, onde os mouros se demoraram, que a devoção cristã mais se manifesta.
Aliás, sendo Granada o último califado da Península Ibérica, nunca imaginaria que a Paixão de Cristo fosse lembrada desta forma.
Ora nós, não sendo propriamente uma família religiosa, deixámo-nos envolver pelo misticismo e curiosidade e quisemos explorar esta manifestação de fé.
As procissões a que assistira na vida em nada se assemelham aos rituais e espírito competitivo destas celebrações andaluzes, que só vejo paralelo em Portugal nas nossas marchas populares.
A chuva impediu que a procissão saísse à rua mas as confrarias devem estar habituadas e simulam-nas dentro das igrejas, fazendo as típicas danças dos andores lá dentro.
Os andores são impressionantemente ricos. Os homens vestem umas roupas da cor do Sr. dos Passos (arroxeadas) e parecem membros do Ku Klux Klan, tapados com capuz pontiagudo.
As mulheres, elegantérrimas e bem maquilhadas, vestem roupas e sapatos pretos. Na cabeça trazem uma mantilha também preta. Verdadeiras viúvas negras, dissemos nós.
Há umas confrarias mais famosas que outras e as filas que se formam para entrar na igreja parecem as da Torre Eiffel, tal a curiosidade turística que desperta.
Lembro-me de ter entrado numa pequena capela cheia de devotos que rezavam em silêncio.
O altar estava separado por um gradeamento e, lá dentro, encontravam-se 4 bonecas de tamanho real, completamente tapadas, que simulavam rezar.
Duas ajoelhadas à frente, vestidas de branco e com um véu espesso que lhes tapava a cara.
Duas iguais sentadas, mais atrás.
Chamei os meus filhos para verem, dizendo-lhes baixinho que pareciam freiras reais.
Quebrei o silêncio.
Soaram vários "xiuuuu".
As bonecas mexeram-se e trocaram de lugar!
Eram freiras de verdade e esta foi a primeira de uma sequência de "barracas" com que a nossa ignorância nos agraciou.
Na sexta-feira santa, regressámos a Portugal.
Ao passar por Sevilha, percebemos que também iria haver procissão.
As ruas estavam engalanadas a rigor, com tribunas espalhadas pelas artérias principais, cheias de cadeiras à espera do público.
"Já que não vimos a procissão de Granada, vamos ficar aqui para ver a de Sevilha, que parece muito maior", decidimos de imediato.
Lemos o programa e percebemos que os andores saiam em horas diferentes de várias confrarias.
Quisemos ir ver.
Por essa altura, já se viam vários homens do Ku Klux Klan de Sevilha.
Fomos atrás de um para lhe perguntar onde era a igreja.
Em portuganhol, perguntei-lhe:
- Per favor, donde sai la procission?
Continuou a andar, sem me ouvir.
Eu imaginei que ele, só com dois buraquinhos para os olhos, não me tivesse visto e coloquei-me no seu ângulo de visão:
- Buenas tardes, donde sai la procission?
O gajo voltou-me as costas e acelerou o passo.
Eu fiquei paralisada com tamanha falta de educação. Então um filho de Cristo recusa-se a dar indicações a uma turista????
Um casal espanhol notou o meu ar embasbacado e veio explicar-me que os membros das irmandades, em dias de procissão, fazem votos de silêncio e não falam com ninguém durante todo o dia...Ups!
Assim sendo, resolvemos escolher o melhor lugar sentado para assistir à procissão. Fomos uns sortudos em chegar cedo. Conseguimos os melhores lugares, mesmo ao lado da tribuna principal!
Só que...
quando o pessoal começou a chegar, reparámos que mostravam um papel aos seguranças que entretanto se colocaram nas entradas vedadas. E nós fomos convidados a sair porque não podíamos simplesmente estar ali!!!
E acabámos a ver a procissão por uma nesga, a quase 30 metros de distância, que foi onde nos conseguimos enfiar!
A procissão em Sevilha é impressionante e interminável e só em casa, depois de pesquisar na internet, lhe compreendi o significado:
Estas celebrações remontam ao século XIV e decorrem entre o Domingo de Ramos e o Domingo da Ressurreição. Os membros de 57 confrarias religiosas saem das suas igrejas em procissões de penitência, levando os Mistérios de Cristo até à Catedral de Sevilha. Chama-se Mistério ao conjunto formado pelo andor e pela imagem que está em cima. O mistério pode ser de Cristo (se carregar a imagem de Jesus), da Virgem ou constituído por vários personagens que representam uma passagem da Paixão.
Lá vinham os nazarenos, vestidos com túnicas de vários tons, consoante a confraria, com o rosto coberto pela máscara e o capuz pontiagudo. Aqueles que neste dia emudecem.
Atrás, seguem as elegantes viúvas negras - as sevilhanas que trajam de preto e levam mantilha, representando o luto de Nossa Senhora.
Mesmo para quem não tem fé, é um espectáculo que vale a pena ver uma vez na vida.
Pelo misticismo...
Pela arte...
Pela música...
Pelo cheiro...
Pela cultura de um povo.
Hoje é dia de encontrar um canal espanhol para ver a cobertura das procissões no sul de Espanha.
Matar saudades e rir-me das figurinhas tristes que lá fizemos!
Uma Santa Páscoa para vocês!
(Nota: todas as fotos foram retiradas da Net porque as minhas estão algures, dentro de um disco externo e não as consegui encontrar)