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A 3ª face

Sex | 30.03.18

Quando 4 totós descobriram a Semana Santa Andaluz

De quando em vez, aproveitamos as férias da Páscoa para umas mini-férias. Ora em Portugal, ora em Espanha.

Há 4 anos, decidimos ir até Granada.

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Durante a Semana Santa.

Sem ter a mínima noção de que iríamos encontrar uma cidade a cheirar a incenso, inundada de fiéis e de turistas para assistir às famosas procissões.

Por esta altura, a fé fervilha em toda a Andaluzia. O que, para um típico alentejano, é, no mínimo, estranho. No nosso país, as maiores manifestações religiosas estão a norte.

Em Espanha, o mapa da fé parece invertido: é no sul, onde os mouros se demoraram, que a devoção cristã mais se manifesta. 

Aliás, sendo Granada o último califado da Península Ibérica, nunca imaginaria que a Paixão de Cristo fosse lembrada desta forma.

Ora nós, não sendo propriamente uma família religiosa, deixámo-nos envolver pelo misticismo e curiosidade e quisemos explorar esta manifestação de fé. 

As procissões a que assistira na vida em nada se assemelham aos rituais e espírito competitivo destas celebrações andaluzes, que só vejo paralelo em Portugal nas nossas marchas populares.

A chuva impediu que a procissão saísse à rua mas as confrarias devem estar habituadas e simulam-nas dentro das igrejas, fazendo as típicas danças dos andores lá dentro.

Os andores são impressionantemente ricos. Os homens vestem umas roupas da cor do Sr. dos Passos (arroxeadas) e parecem membros do Ku Klux Klan, tapados com capuz pontiagudo.

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As mulheres, elegantérrimas e bem maquilhadas, vestem roupas e sapatos pretos. Na cabeça trazem uma mantilha também preta. Verdadeiras viúvas negras, dissemos nós.

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Há umas confrarias mais famosas que outras e as filas que se formam para entrar na igreja parecem as da Torre Eiffel, tal a curiosidade turística que desperta.

Lembro-me de ter entrado numa pequena capela cheia de devotos que rezavam em silêncio.

O altar estava separado por um gradeamento e, lá dentro, encontravam-se 4 bonecas de tamanho real, completamente tapadas, que simulavam rezar.

Duas ajoelhadas à frente, vestidas de branco e com um véu espesso que lhes tapava a cara.

Duas iguais sentadas, mais atrás.

Chamei os meus filhos para verem, dizendo-lhes baixinho que pareciam freiras reais.

Quebrei o silêncio.

Soaram vários "xiuuuu".

As bonecas mexeram-se e trocaram de lugar!

Eram freiras de verdade e esta foi a primeira de uma sequência de "barracas" com que a nossa ignorância nos agraciou.

Na sexta-feira santa, regressámos a Portugal.

Ao passar por Sevilha, percebemos que também iria haver procissão.

As ruas estavam engalanadas a rigor, com tribunas espalhadas pelas artérias principais, cheias de cadeiras à espera do público.

"Já que não vimos a procissão de Granada, vamos ficar aqui para ver a de Sevilha, que parece muito maior", decidimos de imediato.

Lemos o programa e percebemos que os andores saiam em horas diferentes de várias confrarias.

Quisemos ir ver.

Por essa altura, já se viam vários homens do Ku Klux Klan de Sevilha.

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Fomos atrás de um para lhe perguntar onde era a igreja.

Em portuganhol, perguntei-lhe:

- Per favor, donde sai la procission?

Continuou a andar, sem me ouvir.

Eu imaginei que ele, só com dois buraquinhos para os olhos, não me tivesse visto e coloquei-me no seu ângulo de visão:

- Buenas tardes, donde sai la procission?

O gajo voltou-me as costas e acelerou o passo.

Eu fiquei paralisada com tamanha falta de educação. Então um filho de Cristo recusa-se a dar indicações a uma turista????

Um casal espanhol notou o meu ar embasbacado e veio explicar-me que os membros das irmandades, em dias de procissão, fazem votos de silêncio e não falam com ninguém durante todo o dia...Ups!

Assim sendo, resolvemos escolher o melhor lugar sentado para assistir à procissão. Fomos uns sortudos em chegar cedo. Conseguimos os melhores lugares, mesmo ao lado da tribuna principal!

Só que...

quando o pessoal começou a chegar, reparámos que mostravam um papel aos seguranças que entretanto se colocaram nas entradas vedadas. E nós fomos convidados a sair porque não podíamos simplesmente estar ali!!!

E acabámos a ver a procissão por uma nesga, a quase 30 metros de distância, que foi onde nos conseguimos enfiar!

 

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A procissão em Sevilha é impressionante e interminável e só em casa, depois de pesquisar na internet, lhe compreendi o significado:

Estas celebrações remontam ao século XIV e decorrem entre o Domingo de Ramos e o Domingo da Ressurreição. Os membros de 57 confrarias religiosas saem das suas igrejas em procissões de penitência, levando os Mistérios de Cristo até à Catedral de Sevilha. Chama-se Mistério ao conjunto formado pelo andor e pela imagem que está em cima. O mistério pode ser de Cristo (se carregar a imagem de Jesus), da Virgem  ou constituído por vários personagens que representam uma passagem da Paixão.

Cada confraria congrega milhares de confrades com vários papeis: nazarenos, penitentes, “costaleros” (os que carregam nas costas os gigantescos andores, os dosséis e os pesados castiçais e candelabros com velas acesas).
Cada procissão possui a sua própria banda musical que toca do começo ao fim da procissão. Os andores dançam ao ritmo dos pasos dobles, flamencos e sevilhanas, onde sobressaem os arrepiantes sons metálicos dos trompetes.
É impressionante a capacidade de sacrifício dos costaleros para os fazerem dançar!

 

Lá vinham os nazarenos, vestidos com túnicas de vários tons, consoante a confraria, com o rosto coberto pela máscara e o capuz pontiagudo. Aqueles que neste dia emudecem.

Atrás, seguem as elegantes viúvas negras - as sevilhanas que trajam de preto e levam mantilha, representando o luto de Nossa Senhora.

 

 

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Mesmo para quem não tem fé, é um espectáculo que vale a pena ver uma vez na vida. 

Pelo misticismo...

Pela arte...

Pela música...

Pelo cheiro...

Pela cultura de um povo.

 

Hoje é dia de encontrar um canal espanhol para ver a cobertura das procissões no sul de Espanha.

Matar saudades e rir-me das figurinhas tristes que lá fizemos!

 

Uma Santa Páscoa para vocês!

 

(Nota: todas as fotos foram retiradas da Net porque as minhas estão algures, dentro de um disco externo e não as consegui encontrar)

 

 

 

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