Sara arco-íris, a coleccionadora de cores
Desafio dos lápis de cor, #3 Preto
8 de Março, 11.00 h
Nunca foi moça de acordar cedo. O colchão só amacia quando o sol começa a nascer porque até lá, é uma amálgama de pedras pontiagudas que lhe ferem memórias e despertam fantasmas.
Por isso, nunca entra no ginásio antes das 11 da manhã.
Este mês, tem reparado em dois rapazes inseparáveis. O descaradão, que não desprega os olhos de si e o amigote, que parece a sombra do outro e que, indubitavelmente, o idolatra.
Todos os dias, o descaradão e o amigote já estão completamente suados quando Sara entra, ainda fresca e cheirosa.
O descaradão, sempre de roupa preta e justa, ganha novo fôlego e recheia os alteres com mais um disco.
O amigote, para não passar vergonha, afasta-se e vai para o tapete fazer uns abdominais.
Sara sabe que a cor de Março é o preto. Até já escolheu o cromo. Só espera a oportunidade perfeita…
12 de Março, 11.00 h
Os encontros no ginásio estão a dar proximidade.
O descaradão, sempre de sorriso alarve, enquanto encolhe a barriga, espeta o peito e morde o cantinho direito do lábio, vai falando entre dentes com o amigote e miram-na de alto a baixo. Quando Sara os encara, com ar –dissimuladamente – tímido, o descaradão abre o sorriso e cresce 10 cm, qual pavão em fase de acasalamento.
O amigote, esse, baixa os olhos de imediato, ruboriza o rosto até ficar da cor da t-shirt à cava da Decathlon, sempre de vermelho vivo, e encolhe-se atrás do outro.
20 de março, 12.00 h
Sara está a meio do treino e sente os 4 olhos cravados nos seus glúteos, cada vez que termina um squat. Faz de propósito. Menos técnica e mais movimentos sensuais… a caderneta aguarda…o cromo está escolhido… na próxima semana há trabalho em Madrid e o mês está quase terminado…
22 de Março, 11.00 h
Sara entra pela porta e até as paredes do ginásio sustêm a respiração. Está deslumbrante, no seu macacão branco, colado à pele , apenas preso nas laterais por finas tiras de licra.
O descaradão esquece-se que está em prancha e bate com o queixo no tapete.
Ao amigote, hoje ainda mais invisível porque está todo vestido de preto, esbugalham-se-lhe os olhos até à ponta do nariz.
Sara passa por eles.
- Olá colegas!
- Oi, oi, miúda! Que pena eu não ser anão! – Diz o descaradão, de imediato.
- Porquê? – pergunta Sara, já adivinhando a resposta.
- Porque hoje és a Branca de Neve e assim partilhávamos o mesmo quarto…
- Vocês são só dois. Se fossem sete, talvez pensasse nisso.
- Eu valo por seis. Aqui o pingarelho pode ser o sétimo.
Só faltava essa. Há pessoas assim em todo o lado. Só brilham se os outros lhe servirem de flash.
Sara riu muito (só por fora, que por dentro não achou piada nenhuma)
- Quem sabe se à saída não vos dou uma boleia para a mina de ouro? – murmurou Sara.
O que é certo é que os dois amigos saíram mais cedo, rumo ao balneário.
Quando ela chegou ao estacionamento, lá estavam os dois, a simular conversa: o amigote entediado e o descaradão mais agitado, com um sorriso triunfante.
Sara entrou no carro e fez por passar entre eles. Separou-os com o carro. Um de cada lado.
Abriu a janela do lado direito e ordenou:
-Vá anãozinho, entra.
Porque estava a hesitar, debruçou-se e abriu –lhe a porta.
Ele obedeceu. Atónito.
Antes de arrancar, Sara virou-se para o lado esquerdo.
O descaradão continuava especado, de boca aberta, sem reagir, ao ver o amigote sentado no banco do carro.
- Adeus, seis anões! Sabes, prefiro só um de cada vez!
Os pneus chiaram e nenhum a ouviu terminar:
- Quem escolhe os cromos sou eu, parvalhão convencido. E este até foi duplo!
Neste desafio participo eu, a Concha, a Fátima, a Maria Araújo, a Peixe Frito, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor, a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, a Cristina Aveiro, a bii yue e o José da Xã.
Todas as quartas feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós ;)