Sara arco-íris, a coleccionadora de cores
Desafio dos lápis de cor #5, azul cobalto
A Páscoa é sagrada!
Enquanto a avó for viva, regressa sempre àquela aldeia alentejana que a viu crescer, para estar com ela.
Não sabe ao certo se é pelo amor à velhota ou se pelo sabor inimitável dos seus folares.
Se calhar, são a mesma coisa. O amor tem sabor a folar porque é feito com amor.
Passou lá a infância mas, de cada vez que chega, o arrepio mantém-se ao ver as casinhas caiadas de branco com a típicas barras azul cobalto.
Quando pequena, acreditava que as pessoas pintavam barras azuis para trazerem o mar para ao pé de si, já que estavam tão distantes.
Agora, a aldeia está cada vez mais deserta e só não parou no tempo porque o relógio da pequena torre da igrejinha - também pintada de branco e azul - empurra as horas cada vez que badala.
As ruas trazem-lhe boas lembranças da infância, embora estejam agora pavimentadas e com passeios bem delineados.
Percorria-as a correr, entre as poças de lama, no Inverno, ou as nuvens de pó, no Verão - que lhe provocavam ataques de tosse - com o primo Zé e o Nandinho.
O primo Zé morreu numa dessas Páscoas em que as ruas ainda eram um lamaçal até se chegar ao cemitério- também ele pintado de branco e azul.
Serenou-a perceber que o primo, que não resistiu ao mal no sangue, como dizia o avô, ficaria a sentir-se em casa - com o muro igual - e talvez não percebesse que estava morto e continuasse a correr com ela, escondido nas nuvens de pó.
Prometeu ali, enquanto olhava para os pés enterrados na lama, que estaria sempre com os avós na Páscoa e que a agora neta única iria confortá-los como Maria Madalena fez com a mãe de Jesus, segundo percebeu o Sr. Padre explicar nas aulas de catequese.
E o Nandinho.
Esse, cujos olhos eram da cor das barras da aldeia, brilhavam ainda mais, sempre que Sara regressava.
A avó diz que ele teve algumas namoradas.
Talvez. Mas, de cada vez que se cruzam, Sara não duvida que esses olhos azuis apenas tiveram uma única namorada.
É feio o que vai fazer.
Os escrúpulos têm limites. Mesmo a sua colecção!
Mas Sara sente - ou desculpa-se – que não o vai fazer para colar um cromo.
Vai terminar o que ficou suspenso há alguns anos atrás, como se o relógio não badalasse horas nos sentimentos.
Tentará libertar o Nandinho da ideia de que ela é deusa feita de pó, irreal e inatingível.
Talvez ele assim consiga prosseguir a sua vida, aqui na aldeia.
O encontro marcado, com os últimos raios de sol a tentarem espiá-los entre os chaparros, nas traseiras do fumeiro da avó -também ele pintado de branco azul -, é feito de silêncios, que o canto das cigarras dizem tudo o que eles pretendem falar.
Os olhos azuis do Nandinho e as barras da empena, tanto azul, tanto mar imenso que cada vez ondula com mais vigor, tanta infância, tanto riso, o primo, os avós…e Sara pede ao relógio da pequena torre da igrejinha que não volte a badalar e que o tempo pare ali, naquelas cores de pura felicidade.
Neste desafio participo eu, a Concha, a Fátima, a Maria Araújo, a Peixe Frito, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor, a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, a Cristina Aveiro, a bii yue e o José da Xã.
Todas as quartas feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós ;)