Saudades pelo futuro
E entre os pingos de tinta nas mãos, eu apercebi-me que esta será a última vez.
A minha mãe tem 76 anos e teimou em ajudar a pintar o exterior da casa.
Sobe o escadote com desenvoltura, com um lenço amarrado à cabeça, como me recordo da minha avó usar.
Não se vá sujar com tinta, que para branco já lhe bastam os cabelos.
Da próxima vez que a casa for pintada por fora, ela já não irá ajudar. Mesmo que o consiga ou queira, eu não irei permitir.
Esta será a última vez.
E fui invadida pelas saudades do hoje que irei sentir no futuro.
Assim como às vezes, da janela da cozinha, sinto já as saudades que ainda não tenho, quando vejo o meu pai chegar com uma melancia debaixo do braço, acabadinha de colher na horta, enquanto lhe escuto o assobio.
Nunca sei se no próximo ano comerei destas melancias.
E por isso trato-as como um tesouro raro.
E agradeço estes pequenos momentos, que me irão deixar tantas saudades.