Ele esperou por ela um pouco mais acima. Estendeu-lhe a mão. Ela agarrou-a, levantou-se e foi. Dançam agora os dois, pés ligeiros a pisar as nuvens (sorridentes e aconchegados, como há sessenta anos atrás, nos bailaricos da aldeia, quando se apaixonaram), indiferentes à dor dos filhos e dos netos. É que as lágrimas caem no chão. Não sobem ao Céu! Em homenagem aos casais que têm partido com poucos dias ou horas de diferença, vítimas de Covid (conheço alguns)
Os últimos meses não foram fáceis. Estes dias, em que já nem comia e apenas se aguentava com as doses de morfina, haviam-se tornado um suplício. Bia sentia-se permanentemente atordoada e por vezes, tinha dificuldade em falar e perceber o que lhe diziam. Sabia que tinha delírios e chamava pelo neto. Se não ouvisse os comentários das enfermeiras, julgaria que eram apenas sonhos. Mas não! Há muito que ELA estava no quarto. Queria levá-la, sabe-se lá para onde mas Bia não (...)
Madalouca. Chama-se Madalena mas todos lhe chamam Madalouca. Até nem responde quando a tratam pelo verdadeiro nome. Aqui, onde já vive há 3 meses - ou três anos, saber lá - também acode pela alcunha. Com a diferença que a chamam com carinho e não com aquele tom de soberba, de quem se julga normal neste mundo. Madalouca sempre foi irritadiça. A mãe dizia que tinha apanhado a Lua. Por qualquer contrariedade, tinha fúrias e ataques e quase se ia no choro. Só se controlava e (...)
A mulher não lhe atendia o telefone desde que saíra de casa. Por isso, decidiu enviar a mensagem: - A minha vida sem ti não vale a pena. Que sejas feliz sem mim. Adeus. João bebeu mais um gole de medronho, desta vez com todos os comprimidos que retirara da embalagem de calmantes que a mulher deixara na gaveta da mesa-de-cabeceira. Ela tomava-os há anos, justificando que era para não se aperceber das bebedeiras do marido, quando este chegava fora de horas. Até que nem (...)
- C'um raio. Já faz frio! Porque não posso ficar mais um bocadinho na cama? Passei a maior parte da vida a desejar a reforma para esquecer o relógio e os horários e agora isto! Raios parta o meu feitio de não querer ficar parada! Quem me manda a mim dizer à Belinha para passar por cá e irmos juntas para a piscina? Manuela levanta-se contrariada. A cama é solitária, há anos que perdeu o marido e vive sozinha. Do que mais falta sentiu foi dos pés aquecidos no Inverno. Mas (...)
Mais um jovem futebolista tombou em campo, este fim-de-semana. Morreu sem causa aparente. Assim, como se a morte fosse um a bola invisível que se rematasse para o centro da baliza da vida e gritasse golo. O meu filho joga futebol e é inevitável sentir um aperto no peito sempre que me deparo com notícias destas. Cada vez mais, sempre que ele aterra no relvado, o terror chuta-me estas imagens e faz-me acelerar o ritmo cardíaco. Sabem lá a vontade que eu tenho, quando o vejo mais (...)