Ao fim de umas décadas, percebes que não passas de uma gaveta cheia de retalhos, uns mais coloridos e estampados, outros mais escuros e discretos. Não "aventes" * nenhum! Fazem todos parte de ti. Conjuga-os de acordo com o teu gosto pessoal porque de quantos mais retalhos fores feita, mais possibilidades de os conjugar terás. A tua vida a ti pertence e para costurar o teu talego, não peças opinião alheia pois ninguém colocará os retalhos da mesma maneira. Alterna-os (...)
A minha agenda manda-me rir. Todos os dias. Tem vezes que olho para ela e fico desconfiada que é ela que se ri de mim. Zombateira. Mas depois, abro-a e percebo que cada folha que viro é uma dádiva. A maior de todas. Vem-me à memória que fui eu que costurei a capa e cosi essa ordem aos meus dias. Propositadamente. E eu obedeço.
Hoje sentei-me frente a frente com o mar. Falei com ele. Confessei-lhe a admiração que sinto pela sua persistência. Fosse eu mar e saberia que, após cada onda que se espuma ruidosamente na praia, virá sempre uma seguinte. Indefinidamente. Sempre pronta a recomeçar. E ele respondeu-me: - Tu também és um mar. Ora de ondas calmas e espuma suave ora de marés vivas e rebentação forte. Cada dia que passa é uma onda que se desfaz para deixar chegar a próxima. Porém, és um (...)
Quem passa aqui pelo meu blog, já percebeu que este mês é especial: celebrei as bodas de prata, o meu marido fez 50 anos, a minha filha está no último ano do curso universitário (isto ainda eu não tinha dito). São episódios da vida marcantes. E, mesmo de modo inconsciente, sonhamos torná-los especiais. Nas minhas divagações, idealizara organizar uma mega festa surpresa ao meu marido. Com a família e os amigos, mesmo aqueles que ele não vê há anos. Ontem, (...)
Madalouca. Chama-se Madalena mas todos lhe chamam Madalouca. Até nem responde quando a tratam pelo verdadeiro nome. Aqui, onde já vive há 3 meses - ou três anos, saber lá - também acode pela alcunha. Com a diferença que a chamam com carinho e não com aquele tom de soberba, de quem se julga normal neste mundo. Madalouca sempre foi irritadiça. A mãe dizia que tinha apanhado a Lua. Por qualquer contrariedade, tinha fúrias e ataques e quase se ia no choro. Só se controlava e (...)
Criou dois filhos homens mas o desgosto de não ter uma menina acompanhou-a até ao dia em que lhe nasceu o primeiro neto, numa época em que as ecografias ainda não haviam sido inventadas. Era uma neta. A bebé rechonchuda e tranquila arrebatou-a de imediato. Todos os dias, a caminho do Mercado, onde ia comprar os alimentos para o almoço do marido, fazia paragem na casa do filho. Para ver a menina. Mesmo que estivesse a dormir, ficava a contemplá-la, perdida nas horas e nos sonhos. A (...)
Há muito que compreendi que a Felicidade não está além. Que não é meta de corrida nem apeadeiro de comboio. É a forma como nos comportamos, enquanto passageiros desta pequena carruagem a que se chama vida, que nos permite agarrá-la. Às vezes na paisagem que corre. Outras, no passageiro que se senta ao nosso lado. Talvez nos acompanhe até ao fim da viagem. Ou saia numa das muitas estações, saber lá! Algumas vezes, ela surge numa curva inesperada, à saída de um túnel (...)
In extremis, nascem dois tipos de pessoas: as que o destino quis pôr no mundo as que se contorceram pelo canal do parto para cá chegar. As primeiras convenceram-se que vivem manipuladas e tudo o que lhes acontece é por vontade do destino. Não vale a pena contrariá-lo. As segundas acreditam que conseguirão controlar cada minuto da sua vida e tudo o que venha a acontecer é consequência do seu esforço ou dos seus erros. Enganam-se os dois. Um dia, uma mulher que amava (...)
Éramos todos humanos até a raça nos desligar, a religião nos separar, a política nos dividir e a riqueza nos classificar. E no final, voltaremos a ser apenas humanos outra vez, embora ninguém queira perceber isso durante a vida inteira...